TRAGÉDIA EM BRUMADINHO: DIVISÓR NA HISTÓRIA DOS SERVIDORES DA POLÍCIA CIVIL

Mais de mil dias de Missão Brumadinho e exatos três anos da tragédia que ainda deixa marcas também em profissionais atuantes nas diferentes frentes de ação da força-tarefa. Experiência caracterizada por empatia, união de forças, comprometimento, postura e qualidade técnica, visando, sobretudo, o compromisso com a vida em suas mais amplas dimensões.

Para os servidores da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), o 25 de janeiro de 2019 representa um marco na vivência de cada um deles.

O evento mobilizou — e ainda impulsiona, incessantemente, — diferentes setores da PCMG na busca de esclarecimentos. Nos primeiros 96 dias após o rompimento da barragem, a técnica assistente Natalia Correia Silva, que atua na Divisão de Datiloscopia do Instituto de Identificação de Minas Gerais (IIMG), com outros colaboradores, trabalhou diretamente na coleta de impressões digitais dos corpos, dentro do Instituto Médico-Legal Dr. André Roquette (IML). “Aprendemos muito devido à proporção da tragédia. Desde técnicas novas, que agregaram ao conhecimento que já tínhamos, até dar muito mais valor à vida”, resume.

Depois de cuidadosamente coletadas no IML, as digitais eram confrontadas no IIMG com as fichas de arquivo das vítimas, por servidores valendo-se de lupa e olhar atento, até a confirmação e a emissão do parecer técnico datiloscópico para 184 das 270 pessoas desaparecidas; outras 18 foram identificadas pela Polícia Federal também por datiloscopia, totalizando 202 por esta técnica.

“Nós fizemos o que foi possível a partir da impressão digital para darmos uma resposta a esses familiares e à sociedade. Quando estávamos cansados, continuávamos mais um pouquinho e, assim, até acabar”, relembra Natalia ao pontuar o prosseguimento do trabalho de identificação com outros métodos.

Nesse ponto, entram em ação os profissionais da perícia oficial, com peritos criminais e médicos-legistas, bem como demais integrantes que colaboram para as atividades das equipes, debruçados nos estudos de exames de imagens e partes do corpo humano (antropologia forense), de arcadas dentárias (odontologia-legal) e de DNA (comparação genética). Considerando todos os quatro métodos empregados, foi possível, até o momento, a identificação de 264 vítimas.

Persistência

Para se ter uma ideia da complexidade do trabalho, ao longo dos três anos da tragédia, cerca de 960 elementos – incluindo corpos e segmentos corpóreos – aportaram no IML e no Instituto de Criminalística (IC), dos quais 900 foram solucionados e os demais encontram-se em análise. Participando até hoje desse processo de verificação de vestígios — tanto na base Bravo, em Brumadinho, quanto na área de rejeitos —, a perita ngela Romano traduz a missão em uma “experiência profissional única, que exige estudo contínuo, dedicação e organização”.

Ângela relata que chegam, por meio das equipes de resgate, diferentes tipos de vestígios, desde segmentos corpóreos a objetos das vítimas, a exemplo de aparelhos celulares. “Mesmo depois de tanto tempo, ainda conseguimos recuperar imagens de cartão de memória e verificar a quem pertence o celular”, pontua.

Para além da técnica, outro retorno: “Eu tenho me dedicado bastante à Missão Brumadinho. É com muito carinho que eu trabalho lá e me relaciono com familiares, com todos os funcionários e bombeiros. Isso, para mim, é muito gratificante, esse carinho que todos têm com relação ao meu trabalho”. Mesmo diante dos desafios e sem prazo para finalizar os trabalhos, a perita criminal reafirma o desejo de continuar. “Eu gostaria muito de ficar até o fim, até que todas as seis vítimas que ainda faltam sejam identificadas”, revela.

Propósito

Compartilhando desse sentido, a analista da Polícia Civil Patrícia Matoso Nicácio Alves da Silva, que integra a equipe do Serviço Social do IML, observa: “A cada nova identificação, vemos o resultado de todo o esforço para a entrega do ente querido à família. Nós também precisamos dessa entrega”.

Patrícia acrescenta que ainda fica registrada a união de forças dos profissionais da PCMG e de outras instituições, além de voluntários, que participaram no início e ainda continuam atuando no caso Brumadinho. “Nós procuramos oferecer o melhor atendimento possível, dar atenção, empatia, tentar nos colocar no lugar do outro, porque só eles [familiares] sabem o que viveram e estão vivendo. Eu acho que isso vai marcar gerações das famílias deles e de toda uma cidade”, observa quando assinala que o serviço prestado é pautado no profissionalismo, mas a emoção não fica de fora.

Ao lado das famílias desde o início, levando não apenas informações sobre o andamento dos procedimentos de identificação adotados, mas solidarizando-se com elas, também está o médico-legista Ricardo Araújo. Ele foi convidado pela Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão em Brumadinho (Avabrum) para participar, no último domingo (23/1), da visita ao memorial em homenagem a cada uma das vidas perdidas. “Sinto-me honrado em fazer parte desse momento tão íntimo e emocionante, que motiva e reforça o compromisso de devolver a identidade às vítimas”, expõe.

Resultado

Técnica e empatia marcaram os trabalhos da equipe do Departamento Estadual de Investigação de Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema), responsável pela apuração dos fatos decorrentes do rompimento da barragem. “Cada policial abraçou para si a vontade e a obrigação de dar uma justificativa para esse fato, de trazer a apuração completa e atribuir a responsabilidade criminal a quem deveria ser atribuída, como forma de amenizar a dor de todas aquelas famílias que teriam perdido algum familiar”, revela o delegado Eduardo Vieira.

Ao fim da investigação, foram indiciadas 16 pessoas físicas pelos crimes de homicídio qualificado, crime contra a fauna, crime contra a flora e crime de poluição. Houve, também, o indiciamento de duas pessoas jurídicas por crime contra a fauna, crime contra a flora e crime de poluição.

Segundo o delegado, o propósito da equipe foi alcançado. “Nós trabalhamos sem descanso para conseguir investigar e apurar os fatos. Eu posso falar por todos os policiais civis que trabalhavam, olhando para trás, em cerca de um ano de investigação densa, complexa, de uma envergadura única. A investigação foi bem-sucedida em todas as esferas”, conclui Eduardo Vieira.

Mobilização

A estimativa da Polícia Civil é que a operação Brumadinho tenha envolvido diretamente mais de 400 profissionais — delegados, escrivães, investigadores, médicos-legistas, peritos criminais e servidores administrativos — no atendimento às vítimas do rompimento da Barragem B1, na mina Córrego do Feijão, incluindo diferentes frentes de ação.

Durante 30 dias, a equipe da Academia de Polícia Civil (Acadepol-MG) providenciou o acolhimento e o cadastro inicial das famílias que se dirigiam a Belo Horizonte para tratar das questões relacionadas com o reconhecimento de vítimas. No IML, também foi feita a coleta de material genético de familiares para auxiliar nos processos de identificação.

Já em Brumadinho, a Coordenação Aerotática (CAT) da PCMG realizou expressivas horas de voo em dezenas de missões, que foram realizadas em 2019 e 2020. Outra mobilização importante foram as seis Comissões Volantes, promovidas pelo Instituto de Identificação, que resultaram na emissão de quase 800 carteiras de identidade para os atingidos.

Houve, ainda, voltada à repressão de crimes no município, a conclusão de diversos inquéritos policiais, com destaque aos delitos de estelionato e roubo. Além do empenho de todo o efetivo da Delegacia em Brumadinho, contribuíram para os trabalhos servidores cedidos pela Delegacia Regional em Ibirité, com apoio do 2º Departamento em Contagem.

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